O céu e a areia têm a
mesma cor e quase exatamente o mesmo tom de azul esbranquiçado ou talvez cinza,
o que parece impróprio pra estação se a palidez de névoa traz à mente a ideia
de cansaço e de fraqueza como se até o sol fosse um funcionário desbotado e esgotado do verão, mas
condiz totalmente à nostalgia da presença do avô já falecido e em menor grau da
própria infância antiga. A passagem do tempo e essa paisagem são fantasmas que
envolvem as memórias de modo que elas pairem esquisitas, substâncias alteradas, deslocadas em sua
nova forma de ectoplasma. Não, a passagem do tempo é real e como se filtrasse o
relevante — provisões estocadas pela mente — por critérios às vezes tão cruéis,
deixa escorrer detalhes que então mancham as retinas e dão cores exóticas a
lembranças parciais ou esquecidas.
Talvez o estranho seja
essa filtragem. Lembro do meu avô, mas do que lembro especificamente? De um
foguete que estourou muito perto da cabeça, da prótese dentária removível, do
braço envolto em gesso após um tombo causado pela casca de um pistache que
alguém deixou cair num chão de ardósia, do círculo em relevo sob a pele, marca
de um coração pulando passos. Meus olhos de criança se espantaram com a mudança
dos corpos pelo tempo e com a fragilidade da velhice ou o adulto que esculpe
essas lembranças e transforma num ícone uma vida a partir de outros dados, de
ouvir casos, pra preencher espaço em que só resta talvez um cheiro, um modo de
sentar ou palavras cruzadas de um jornal.
O que separa os dois é
muito pouco: o céu e a areia têm a mesma cor porque um lençol tecido pelo mar vem
lá de um outro azul de bordas brancas, e vai quase até dois blocos cinzentos ou
meio arroxeados que são prédios à beira-mar e à margem da foto. O céu e a areia
têm a mesma cor da sensação de ver esse menino que parece gostar do vento
forte, vento que sopra desde a infância, era das grandes aflições por coisas
poucas, prenúncio de um declínio inevitável.