quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Trilogia da Fé - O Silêncio

Pai.
Os pés não param.
E ele disse:
Filho.
O sol os segue.
E inocente:
Aqui o fogo e a lenha,
mas cadê o cordeiro
para o sacrifício?
O sol nas vistas.
E Abraão disse:
.

Seguiam juntos.

No lugar indicado,
Abraão ergue o altar,
organiza a lenha,
amarra Isaac.

Por um único instante
o cutelo não treme.

Nem grito dos céus,
nem berro do filho.
Da boca de pedra
não jorrou palavra.
O sangue o tingiu
de um silêncio vivo.

Sobra a voz do fogo
e o caminho de volta
sob a intensa sombra do céu aberto.

Abraão! Abraão!
Diz a mulher sem muita esperança.
Abraão com os olhos sobre nada,
como preso na revelação.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Trilogia da Fé - Jó


Sentaram no chão comigo
sete dias, sete noites,
e ninguém dizia nada,
porque cada um sabia
que a dor era muito grande.

Não paro pra reclamar,
também nem tento entender.

O rio não tem parada.

Vivo como se vive
tudo que se é presente,
pelo melhor manejo
que parecer possível

e não tem muito mais.

Há o fogo?
Virá o fogo.

Há o vento?
Vem, sim, vento.

E veio
e pronto.

Tem doença que a cura é ir vivendo.

E é bem isso,
O que chega,
deixa chegar.
É bem só isso.

Havia casa?
Quem mais havia?
Tudo acaba.
Todo mundo acaba.
                                   
Os campos giram com os anos.

O que já tive,
eu já perdi.
Tentar, fazer, é tudo aposta,
tem que estar disposto a perder.

Pois eu vim mesmo foi nu,
saí pra vida bem nu,
do ventre de mulher, nu,
e volto assim: só e nu.

Nem procuro mais entender.
Nem paro mais pra reclamar.

Mas que dói, ah, isso dói.
Tem vez que dá pra doer
até muito. Até demais.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Trilogia da Fé - Teogonia



No princípio era o abismo,
era uma distância aberta.

Depois era terra firme,
uma sede sempre estável,
neves no topo do mundo

[por dentro perturbações,
névoa, várias vastas vias]

e surgiu o desejo
(a quem sugeriu
amor, desconverso)
de todos os deuses
sem morte, o mais belo.

***

Deitado na cama,
todo como nada,
membros relaxados,
domado no peito
a mente a vontade

Ah, mas do abismo,
da distância,
a Noite
virá
Negra.