quarta-feira, 15 de abril de 2015

A Estrada

A estrada é o demônio
entre nossos dias.

Além do cansaço
do meu corpo fraco,
além da falência
de uma mente magra,
além dos esforços,
preço pago a prazo,
do que me é cobrado.
Muito além dos passos,

o espaço se estende.
A estrada é o demônio.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Insolúvel (canção para karaokê)

Dessa alegria expansiva
e coletiva conheço
somente a imagem e o som,

talvez o cheiro de álcool,
de alguns cigarros diversos
e de mais perto suor,

como se minha presença
não fosse tão diferente
de só lembranças depois.

Material insolúvel
firme no fundo de um copo
(meio vazio) de amor.

domingo, 22 de março de 2015

Impermeável

Rosto sólido, mão fria.

Essa mente quase cega,
esses dedos quase mudos,
esse peito impermeável.

Coração na economia.

E se a luz me mostra mau,
e se perto a fala aperta,
e se — Não, melhor imóvel.

Poço árido e sabia.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Minério

Montanhas desfeitas cedem
e as veias de ferro levam
embora, cortando a seca
paisagem familiar.

— Minério, carne da pedra
arrombada à bomba, deixo
também eu a quem me acolhe
só a cratera, só a poeira.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Via de mão única

 Isso não é mais conversa.
Nunca tinha percebido,
Há muito não conversamos
mas no mínimo desvio
mais, não por falta de tempo,
de atenção torna-se claro,
nem de palavras jogadas
como a faixa – que me indica
(desviadas por maus ventos
o caminho e me limita
ou desde o início sem rumo,
o espaço – nervosa sobre
incapazes da distância),
o asfalto riscado, pouco
nem (repare que não resta
antes de entrar sob a roda,
em mim nenhum otimismo:)
no canto do para-brisa,
de qualquer coisa a ser dita,
se curva pra dentro, busca
mas parece que por uma
minha direção, enquanto
total falta de interesse.
o carro segue, essa praga.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Shlimazl

Deitado, eu espero o que não vem,
fechado, como um cidadão de bem.

Travado, eu espero o que não vem,
calado, como um cidadão de bem.


Quanto tempo já passou
em segredo, pecador?

Claro que era bom,
via que era bom,
mas não vou assumir
amar
azar.
Sempre vou dizer que nunca
enquanto desejava
outras formas sob os panos
na pele nunca é tarde.
Via que era bom,

é claro que era bom.

domingo, 16 de novembro de 2014

Descida (rascunho de uma quinta parte)



De lá das janelas, computadores
e celulares continuam suas
comunicações sempre repetidas.


Vejo na tela de nuvens
o que a cidade projeta.

Nada nesse mar laranja
nada nesse morto mar
nem o aperto da moldura
entre os prédios, postes, fios
nada desse céu fechado
nem o som se o som chegasse
nem o cheiro se eu soubesse,

lembra a impressão do universo
que tive em outra descida
(com olhos que nem mais tenho)
por uma estrada de terra
margeada pelo mato,
a lua como lanterna,
o chão como um rio claro
na escuridão navegável.

É a diferença de um céu
que encerra e de um que infinita,
do que restringe a ambição
e do que a deixa ferver
em si mesma, por si mesma,
sob a luz (pressão) de nossa
microscópica potência.
E mesmo que as duas vias
lacrem destinos iguais,
não me importa ter os astros
no alcance da mão, só importa
a velha visão marcada
na mente como possível
e o desejo de revê-la.

O que eu só percebo agora.

***