terça-feira, 31 de julho de 2012

Uma visita tarde da noite (2)


As portas fechadas sabem
um tanto sobre esperar.
E as roupas molhadas trazem
à pele o frio da espera.

Não vem notícia de passos
nem de chaves se batendo.
O tempo deita no chão
a mala meio vazia.

As paredes, o extintor
e a lâmpada se incomodam
com o olho mágico cego.

Será que é tão tarde assim?
Ninguém me esperava mais?
— Bem-vindo — diz o capacho.

domingo, 22 de julho de 2012

Uma visita tarde da noite


Rua, como toda rua.
O motorista não fala
nada, talvez sugestão
do meu silêncio cansado.
Possíveis memórias (vagas)
da visita anterior
não atravessam o vidro,
não com as cores da noite:
a chuva, do aeroporto
até a rua anotada
persiste sem se esforçar.
Ele para, eu pago e o prédio
tem o número que levo
mal rabiscado no verso
amassado de um recibo.
Eu esqueci o guarda-chuva.

Quando o interfone tocou
eu não podia saber
que seria inesperado,
que seria tão patético.

Vou só subir os degraus
esperando o velho rosto
do velho amigo. Campainha.

domingo, 1 de julho de 2012

Prólogo a Trabalhos e Dias


Coitado! Pra quê esse choro?
Alguém mais forte te domina.
Você escolhe seu discurso,
mas eu escolho seu destino.
Se eu quiser, posso te comer
agora ou então te soltar.
Quem tenta enfrentar os mais fortes
é só um completo idiota.
Perde, sofre e passa vergonha.

Assim falou o gavião¹.

(Hesíodo, Trabalhos e Dias, 207 – 212)




________
¹ Ave de asas largas, que voa rápido.